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A comunicação social das universidades: percepções e ações na Unicamp

Análise do diretor de comunicação institucional da Unicamp, Peter Shulz sobre a comunicação das universidades durante as crises de 2020

Sobre o autor

Peter Schulz

A universidade fala de diferentes formas

A universidade “fala” a diferentes públicos através de suas missões. Fala diretamente aos estudantes, e indiretamente aos círculos de convivência desses, através das atividades de ensino. Fala à comunidade científica de todo o mundo por meio de suas pesquisas e diretamente à população por suas ações de extensão e assistência à comunidade. Nesse caso, destaca-se, em algumas grandes universidades, a área da Saúde. Na cidade de Campinas, por exemplo, Unicamp não significa uma universidade e sim um hospital, para a maior parte da população. A comunicação social do título acima, no entanto, é uma comunicação direta, a partir do seu jornalismo e seus canais – jornais, revistas, televisão, rádio e redes sociais – e a assessoria de imprensa; “o caminho por excelência para que a universidade não seja calada, escanteada e irrelevante para a sociedade” [1].

Qual é o foco da comunicação social da universidade?

 Em relação a essa comunicação direta com a sociedade e no presente contexto da pandemia de Covid-19, as diferentes universidades compartilham percepções comuns, ao lado de questões específicas.  No caso da Unicamp, vale lembrar a perspectiva histórica de sua comunicação social, que remonta aos princípios delineados pelo jornalista Eustáquio Gomes nos anos 1980: o equilíbrio entre informar sobre o que se faz na universidade ao público geral e que seja de interesse desse público, o debate das grandes questões nacionais e internacionais a partir da perspectiva da comunidade acadêmica e a necessária comunicação institucional interna. Mas nessa ordem, ou seja, a prioridade é a divulgação científica e cultural e o debate de ideias. A comunicação da universidade precisa estar prioritariamente ligada a suas atividades fim a serviço da sociedade e não às atividades meio (sem esquecê-las, evidentemente [2]).

Esses princípios e práticas revelam-se especialmente importantes na quádrupla de crises que estamos enfrentando (econômica, política, sanitária e social). A informação qualificada para a população é a resposta necessária, mas não suficiente, aos boatos e fake News. A divulgação dos avanços em pesquisas, serviços e ações da universidade se manifestam como importantes para o norteamento e construção de confiança do público. 

Em resumo, a emergência e a urgência atuais fizeram com que a comunicação institucional deixasse de ser reativa para ser proativa, deixasse de ser operacional para ser estratégica, sendo ressignificada (positivamente) pela instituição, bem como pela população.

Qual é a estratégia de comunicação social frente à crise Covid-19?

Para esse fim a Unicamp desenvolveu um hotsite[3] para o seu portal com diversas frentes, desde proporcionar um panorama da crise, atualizar dados da pandemia na região, promover e divulgar o engajamento do voluntariado e os canais de doações, atualização de pesquisas e ações e o imprescindível debate de ideias. A resposta do público é inequívoca com os 15 mil acessos diários em média ao portal somente para itens com palavras chave relacionadas à Covid-19. A isso se somam centenas de milhares de visualizações de dezenas de programas de TV e rádio produzidos tanto pela TV e Rádio Unicamp, quanto por membros da comunidade universitária em colaboração com outros órgãos e entidades. A aceleração do uso das redes sociais revela-se também um importante instrumento de engajamento, para enfrentar os desafios colocados, e do necessário sentimento de pertencimento para mitigar os efeitos do isolamento físico. 

Quais foram os principais desafios superados?

Os desafios não foram, mas são continuamente superados, pois as mudanças necessárias (como na estrutura dos canais de comunicação) são constantes, é uma realidade muito dinâmica, que vem sendo frequentemente modificada nesses últimos meses. Entre vários desafios até agora enfrentados, o principal foi a transição para o trabalho remoto: a substituição do contato na redação para os grupos de Whatsapp, juntamente com o aumento da quantidade de notícias produzidas, o crescimento do atendimento à imprensa e o contato com os profissionais de comunicação espalhados pela universidade. Outra transição notável foi a produção intensificada de programas de Rádio e TV, com a troca do pneu com o carro andando, ou seja: do estúdio e entrevistas presenciais às gravações e pós-produção remotas. 

Quais são as prioridades atuais frente às crises de 2020?

A percepção qualitativa da situação aponta tanto para os vários desafios (englobando os que já são continuamente enfrentados, bem como os emergentes), quanto às possíveis novas prioridades. Essa percepção é comum aos vários órgãos e unidades de ensino e pesquisa da Universidade, mas é notadamente na sua comunicação social, que enfrenta o problema de administrar e proporcionar apropriadamente a divulgação de todas as outras áreas, onde se percebe essa conjuntura. A administração dessas outras prioridades institucionais deve sempre obedecer ao interesse do público externo, que como mencionado, busca na universidade informações seguras. No contexto, portanto, entre desafios enfrentados e prioridades, estão os diagnósticos de questões ainda a serem superadas.

O mais importante, observando as diretrizes historicamente sedimentadas, é o acesso à informação de qualidade. A transição do ensino presencial para remoto revelou claramente que esse acesso ainda não é universal. É preciso transformar a comunicação social da universidade em um bem público de fato.

Em segundo lugar, junto com o aumento do interesse do público externo pelas informações oriundas da universidade, verifica-se o crescimento da percepção interna da importância de se comunicar com esse público externo. A manutenção e crescimento desse interesse de mão dupla precisa de novas políticas próprias. A pergunta fundamental por parte da comunidade acadêmica seria “a quem e como falamos”, pois os docentes, principalmente, foram formados para falar apenas com seus pares.

Esses dois desafios, claramente identificados a partir da comunicação, estão ligados profundamente às próprias missões da universidade, referem-se diretamente ao desafio de universalização do acesso ao conhecimento. Essas questões são de encaminhamento a médio e longo prazos. No curto prazo, o desafio constante e prioritário é a editoria adequada das vozes que precisam de, mas também pressionam por, visibilidade. Entre as várias iniciativas, algumas se revelam eficientes, mas outras não alcançam as expectativas iniciais e acabam interrompidas, muitas vezes sem se reinventarem, podendo levar à desarticulação de atores importantes. 

Esse desafio pode ser expressado de outra forma com uma pergunta: como continuar motivando e aprimorando o engajamento da comunidade universitária no enfrentamento da crise? É importante ter em mente que boa parte dos esforços materializados até o momento foram organizados ainda com a perspectiva de que nesse momento (julho de 2020) a crise estaria equacionada, mas a continuidade dela se estende mais a cada momento.

Atenção à infodemia

Do ponto de vista exclusivo da comunicação, depois de mais de quatro meses de um “novo anormal”, torna-se prioritário o enfrentamento da infodemia[4]. Não se trata apenas do desmentido de boatos e fake News. A sucessão vertiginosa de notícias são cenas momentâneas do que está acontecendo e corre o risco de provocar desinformação. Esse fenômeno evidencia duas ameaças à credibilidade: a fragmentação (notícia misturada com ruído, que às vezes são outras notícias sobre o mesmo assunto de diferentes fontes) e a desintermediação (fontes com canal direto de comunicação com o público, sem passar por uma editoria de credibilidade, como nos veículos tradicionais), segundo Francisco Belda [5]. Uma vez conquistada a credibilidade e audiência, a comunicação da universidade precisa orientar o seu público para o significado e encadeamento das sucessivas notícias, proporcionando simultaneamente uma desfragmentação e uma mediação.   No momento, a comunicação da Unicamp volta-se também a encadear as diferentes “cenas” em um “filme” que mostre ao público o processo de enfrentamento da crise de uma forma coerente, de como propostas de pesquisa e dados iniciais evoluíram e evoluem para soluções e cenários atualizados [6]

E o futuro?

É preciso ainda pensar em que condições esse processo todo se desenvolve, bem como a sustentabilidade a mais longo prazo das soluções encaminhadas.

É de certa forma preocupante como situações e mecanismos são naturalizados. Nesses dias, repetem-se declarações em webinários de que será impossível viver sem isso (ensino e reuniões remotas, webinários) no “novo normal”. Sugere-se, assim, a leitura de “A invenção de Morel” de Adolfo Bioy Casares, onde o narrador declara: “as tecnologias são para suprir ausências”. Mas as tecnologias não garantem presenças de fato e a invenção de Morel do romance mostra justamente o quão difícil é o simulacro da presença plena, presença que continuamos a desejar. É necessário ter cuidado em festejar prontamente um empobrecimento dos sentidos em favor da eficiência e da quantidade, importantes talvez numa situação emergencial. A perenização das soluções adotadas pode não ser também sustentável a longo prazo, em função do aumento do ritmo de trabalho. Nada contra, no entanto, à transmissão e gravação de eventos presenciais, mesmo porque isso já era feito antes. Não só a pandemia coloca desafios, mas a manutenção da reação a ela e a reorganização social, uma vez superada a crise, também.

Notas

1

A universidade calada, Ricardo Whiteman Muniz. In: Dossiê Especial Divulgação Científica, Revista Comciência, Dossiê 197, 4 de abril de 2018. Acessado em 5 de julho de 2020: http://www.comciencia.br/a-universidade-calada/ 

2

Do jornal que nasce, editorial de lançamento do Jornal da Unicamp em setembro de 1986. Acessado em 5 de julho de 2020: https://www.unicamp.br/unicamp_hoje/jornalPDF/JU_0001.pdf 

3

Acessado em 5 de julho de 2020: https://www.unicamp.br/unicamp/coronavirus 

4

Segundo a Organização Mundial da Saúde: “um excesso de informações, algumas precisas e outras não, que tornam difícil encontrar fontes idôneas e orientações confiáveis quando se precisa”. Acessado em 5 de julho de 2020: https://iris.paho.org/bitstream/handle/10665.2/52054/Factsheet-Infodemic_por.pdf?sequence=5

5

Ver a apresentação de Francisco Belda na palestra sobre Fake News na Ciência no ciclo ILP+FAPESP em 2019. Acessado e m5 de julho de 2020: https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/ilp/anexos/4985/YY2019MM2DD27HH10MM48SS32-1.%20Francisco%20Belda.pdf 

6

No portal da Unicamp foi iniciada no final de junho a série “Em que pé está?”. Acessada em 5 de julho de 2020: https://www.unicamp.br/unicamp/noticias/em-que-pe-esta