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Promoção de impacto social da pesquisa

por Giovanna Lima

No texto “O que faz um Research Impact Officer” preparado para o Projeto Métricas, compartilhei minhas experiências no Trinity College Dublin, na Irlanda. Nesse texto, apresento minha análise sobre um agente fundamental no estímulo ao impacto social da pesquisa: as agências de fomento à pesquisa. 

As agências de fomento podem proporcionar incentivos importantes aos agentes do ecossistema de pesquisa, ao modificarem as regras de seus programas de fomento para reconhecer e recompensar Universidades e pesquisadores que estão engajados em coproduzir e mobilizar seu conhecimento com e para a sociedade. Interessadas em acessar os recursos das agências de fomento, Universidades e pesquisadores podem realinhar interesses, promover habilidades e atualizar seus critérios de seleção e progressão na carreira. Esse papel de liderança das agências de fomento, quando acontece concomitante com as mudanças nas instituições de pesquisa, tem o potencial para aumentar a relevância e o impacto do conhecimento científico. Compartilho aqui algumas práticas de duas agências fundamentais no sistema de pesquisa nacional irlandês, o Irish Research Council e a Science Foundation Ireland.

Irish Research Council

O Irish Research Council (IRC), foi criado em 2012, e financia pesquisas de todas as disciplinas, de naturezas básica (ou pura) e aplicada. Engajamento com a sociedade e o impacto social da pesquisa estão em seus objetivos estratégicos, e têm sido estimulados por meio da criação de programas fundamentados no engajamento com atores externos à academia, como o Collaborative Alliances for Societal Challenges (COALESCE) e New Foundations. Ambos têm por característica impulsionar a colaboração ativa entre aqueles que produzem novos conhecimentos e aqueles que os utilizam, e incluem parceria com vários departamentos e agências governamentais em algumas de suas linhas de fomento. Impacto social é parte dos objetivos dos programas, e se traduzem nas práticas e nos critérios de avaliação das propostas. 

Na prática, no caso do COALESCE 2020, duas das três linhas são em parceria com parceiros externos, o que demanda que as propostas de pesquisa se alinhem aos objetivos, políticas e áreas prioritárias desses parceiros já que estas passam a fazer parte dos objetivos das linhas da chamada (IRC, 2020, p.7). Coprodução e parceria são particularmente demandadas nestas duas linhas: 

“Espera-se que os candidatos integrem a parceria intersetorial em todo o ciclo de vida do projeto, desde a fase de concepção até a disseminação. Ideias inovadoras a esse respeito são incentivadas, incluindo o envolvimento com a indústria. A avaliação do Conselho buscará exemplos de evidências concretas da força da parceria.”

(tradução livre; IRC, 2020, p.9)

No caso do New Foundations 2021, por exemplo, o critério “Impacto e Resultados” (Impact and Outcomes) representava 40% da nota da proposta, o mesmo valor do critério “Qualidade da proposta e da pessoa pretendente” (Quality of proposal and applicant) (IRC, 2021, p.9). O impacto da pesquisa deve ser demonstrado na proposta, e o IRC sugere uso do relatório do Engaged Research: Society & Higher Education Addressing Grand Societal Challenges Together, cofinanciado com o Campus Engage, uma inciativa baseada na Associação Irlandesa de Universidades. 

Science Foundation Ireland

A Science Foundation Ireland, ou SFI, por sua vez, foi criada em 2000, e financia pesquisa básica orientada e pesquisa aplicada nas disciplinas conhecidas como STEM: ciência, tecnologia, engenharia e matemática. Em setembro de 2021, a SFI buscou seu próximo diretor, em um processo internacional conduzido externamente por uma agência de recrutamento. A liderança estava aberta para diversas trajetórias profissionais, incluindo não acadêmicos, mas que teriam que cumprir os critérios de seleção relacionados à experiência de pesquisa, travando um importante balanço: 

“O candidato ideal vai demonstrar: Profundo conhecimento e experiência no processo de promoção de pesquisa de classe mundial por ter liderado uma equipe conduzindo tal pesquisa em, por exemplo, um ambiente acadêmico ou corporativo, ou por ter servido em uma posição de liderança sênior em uma agência de pesquisa internacional, uma de primeira linha universidade ou laboratório corporativo de posição considerável.”

(tradução livre; SFI, 2021, p.11). 

É animador ler que 3 das 11 responsabilidades do cargo (SFI, 2021, p.10) têm explicitamente um viés favorável ao impacto social, e a maioria dos critérios de seleção referentes à experiência dos candidatos tem algum tipo de elemento de impacto social associado a ele, particularmente em relação à colaboração com a indústria (SFI, 2021, p.11). De fato, a missão e a estratégia da agência são focadas em maximizar benefícios e engajar com a sociedade (SFI, 2021, p.8). Essa interação entre pesquisa e sociedade, particularmente com a indústria, e esse alinhamento entre missão e liderança fica patente nos critérios de seleção: para além do conhecimento de como o processo científico é conduzido, o dirigente deve ter, por exemplo 

“[…] compreensão da inter-relação entre pesquisa, inovação, produtividade e desempenho econômico, bem como a importância da ciência para a compreensão e abordagem dos desafios e oportunidades da sociedade. 

Uma compreensão abrangente de mecanismos e programas de financiamento de pesquisa inter-relacionados, incluindo parcerias de pesquisa da indústria e oportunidades filantrópicas.

A capacidade demonstrada de trabalhar com grandes empresas em um nível sênior, juntamente com uma compreensão dos fatores levados em consideração pelas empresas ao decidir como estruturar P&D e onde localizar essa atividade.”

Experiência de colaboração eficaz em um ambiente diversificado de partes interessadas, com capacidade de trabalhar com partes interessadas de instituições de ensino superior / pesquisa, indústria, governo e outras agências / órgãos do setor público, tanto nacional quanto internacionalmente.”

(tradução livre; SFI, 2021, p. 11)

É importante notar que uma preocupação excessiva em impacto pode gerar um risco de focar apenas nas disciplinas percebidas como aplicadas ou aplicáveis no curto e médio prazo, com as disciplinas básicas ou puras sendo negligenciadas. Dado o foco nas disciplinas STEM, a SFI também corre risco de uma visão tecnicista sobre os problemas sociais que afetam as sociedades contemporâneas caso não foque em inter- e transdisciplinaridade com as disciplinas das artes, humanidades e ciências sociais. 

Avaliação de pesquisa

Outra importante iniciativa das duas agências relacionada à impacto é que ambas começaram a aplicar os princípios da San Francisco Declaration on Research Assessment (DORA). 

O caso mais recente que auxiliamos nossos pesquisadores aqui no Trinity Long Room Hub foi o do SFI-IRC Pathway Programme 2021. A aplicação desses princípios, particularmente nos currículos e track-records dos pesquisadores que submetem propostas, reconhece a multiplicidade de impactos que os pesquisadores podem gerar a partir de suas pesquisas, solicitando que apresentem suas realizações e conquistas profissionais em 4 categorias: 1. Geração de Conhecimento; 2. Desenvolvimento de Pessoas e Colaborações; 3. Apoio à sociedade e à economia e; 4. Apoio à comunidade de pesquisa – à semelhança do modelo desenvolvido pela Royal Society’s Résumé for Researchers (DORA, 2020). Nesses documentos, as agências proíbem por exemplo o uso do índice-H, fator de impacto, e do nome e prestígio das publicações de quem submete propostas como medida de qualidade, relevância e impacto de seu trabalho. O convite é para que forneçam uma visão geral holística de seu perfil acadêmico e profissional e forneçam exemplos de suas principais realizações em várias categorias, fazendo uso de diversos tipos de indicadores qualitativos e quantitativos.

Como o Professor David Phipps, Vice-Presidente Assistente de Estratégia de Pesquisa e Impacto da Universidade de York em Vancouver, recentemente compartilhou, a Irlanda (como o Canadá), adotou a agenda de impacto porque é a coisa certa a fazer, não por uma imposição de um sistema de avaliação. Penso que as experiências irlandesas podem servir de inspiração para o ecossistema brasileiro de geração e mobilização do conhecimento.

Referências

(*) Giovanna Lima: Dra. Giovanna Lima é Research Impact Officer no Trinity College Dublin. Ela é graduada em Relações Internacionais pela PUC-SP e Mestre e Doutora em Administração Pública e Governo pela FGV-EAESP, e sua trajetória inclui experiências na The Economist Intelligence Unit e na Prefeitura de São Paulo.