O ranking e a agência do ranking
O Global Employer University Ranking Survey (GEURS) está agora em sua 11ª edição. O ranking é composto por uma pesquisa global com empregadores e investiga não apenas aquelas instituições que os respondentes consideram as melhores para empregar graduados, mas as habilidades e dimensões que eles valorizam ao procurar novas contratações. Isso torna a pesquisa mais detalhada do que o QS Employability Ranking, de estrutura semelhante.
A pesquisa é realizada pela consultoria francesa de ensino superior Emerging, especializada em serviços de consultoria para interação entre empregadores e instituições. O ranking é, portanto, um reflexo dos serviços oferecidos pela empresa. A pesquisa em si é conduzida pelo Tredence Institut, um instituto de pesquisa privado alemão.
O ranking é mais proeminente na Europa continental do que no mundo anglófono, Ásia ou América Latina. Em certa medida, este viés é refletido no número de votos dados para algumas instituições (vide abaixo).
Metodologia
Foram procurados 10.928 empregadores em 23 países entre julho e setembro de 2021. Dos respondentes, 41,5% recrutam egressos para vagas corporativas, 26,5% para vagas em TI e 23% para vagas em engenharia. Eles foram convidados a nomear até dez instituições. Ao contrário do ranking QS, não há diferenciação entre votar em instituições nacionais e em instituições internacionais.
O ranking considera a empregabilidade apenas nos setores comercial e corporativo. Não considera o trabalho em profissões tradicionais como saúde ou direito, nem o setor público ou terceiro setor.
Varejo | 9,6% |
TI e software | 9,1% |
Engenharia, desenho e fabricação | 8,7% |
Construção e engenharia civil | 8,0% |
Finanças e contabilidade | 7,4% |
Educação | 6,6% |
Seguros e financeiro | 6,1% |
Logística, transporte e cadeias de produção | 5,4% |
Farmacêutica e química | 4,7% |
Hospitalidade, lazer e turismo | 4,4% |
Alimentos e bebidas | 4,1% |
Consultoria | 4,0% |
Energia e meio ambiente | 3,5% |
Eletrônicas | 3,3% |
Hardware de TI | 2,5% |
Telecomunicações | 2,5% |
Mídia e comunicações | 2,0% |
Defesa e aeronáutica | 1,5% |
Bens de luxo | 1,2% |
Limitações e pontos fortes
Os países dos que responderam à pesquisa foram divulgados, mas não houve uma descrição detalhada de quantos respondentes vieram de cada país, ou uma indicação de que os números de respostas foram normalizados pelo tamanho da população. Isso significa que, embora a amostra seja grande, a presença de viés não pode ser descartada. Os empregadores tendem a votar em uma mistura de instituições locais das quais a empresa contrata graduandos com regularidade e instituições de renome global. Isso significa que esses tipos de avaliação tendem a apresentar efeito Matheus muito forte – o efeito Matheus (Merton, 1969) trata de uma situação na qual os mais prestigiados tendem a aumentar o seu prestígio em virtude de sua fama – e podem ser grandemente influenciados pela distribuição geográfica dos entrevistados.
Embora não tenham sido divulgados dados sobre a localização dos entrevistados, a Emerging publicou os dados sobre o número de votos recebidos pelas instituições por país. O segundo país mais votado foi a França. Há nove instituições francesas no top 100, em comparação com oito instituições britânicas, sete instituições alemãs e cinco chinesas. Dado que há muito tempo as instituições francesas sofrem nos rankings por causa da sua falta de visibilidade internacional, isso sugere que a amostra representa mais empregadores franceses do que de outros países. Além disso, a falta de diferenciação entre instituições internacionais e domésticas faz com que as instituições francesas apareçam mais neste ranking do que em outros. Para efeito de comparação, o ranking de empregabilidade do QS, que é mais anglocêntrico, tem duas instituições francesas entre as 100 melhores.
Embora as pesquisas de reputação não estejam diretamente relacionadas ao porte, elas tendem a favorecer instituições maiores – universidades que produzem mais egressos tendem a ter melhor desempenho, pela simples razão de que há mais graduados deles à disposição nas praças dos empregadores. Por isso, a USP tem mais facilidade de se posicionar, sendo de fato a única instituição brasileira que aparece no ranking.
Desempenho da USP
Na edição de 2022, a USP avançou 19 lugares em relação à edição anterior, passando para a 90º posição, o que a torna a segunda instituição de maior visibilidade na América Latina depois de Monterrey Tech, mas à frente de grandes instituições públicas comparáveis como UNAM (121º), UBA (141º), Universidad de Chile (157º).
Observações
As universidades devem ser cautelosas ao analisar os resultados de pesquisas onde a amostra não é clara. No entanto, devem prestar atenção nas observações que a pesquisa publicou sobre o que os empregadores priorizaram. As respostas foram um tanto surpreendentes e podem informar a maneira como pensamos a estruturação da grade curricular.
Pré-covid x pós-covid
Quando os empregadores foram perguntados sobre quais habilidades eles consideravam mais importantes, houve uma clara mudança entre as respostas pré e pós-covid. Anteriormente, a excelência acadêmica da instituição era declarada como o aspecto mais importante para a empregabilidade. Em 2021, no entanto, as habilidades dos egressos haviam assumido a primeira posição. Da mesma forma, a especialização diminuiu ligeiramente em termos de prioridade, enquanto as habilidades digitais não são especialmente valorizadas. Isso ocorre, provavelmente, porque para uma geração de nativos digitais, que passaram dois anos recebendo educação online, as habilidades digitais são geralmente assumidas entre os graduados e não são vistas como elementos curriculares importantes ensinados pelas universidades.
A pesquisa analisa quais são as áreas específicas que os respondentes relatam mais dificuldade na contratação de egressos. As principais áreas identificadas são as apresentadas na tabela abaixo.
Setor | Tendência | Skill gap |
Hardware de TI | 1% | 5,82 |
TI e engenharia de software | 22% | 5,67 |
Engenharia, desenho e fabricação | 0% | 5,52 |
Eletrônicas e eletro-técnicas | -5% | 5,38 |
Construção e engenharia civil | 17% | 5,36 |
A pesquisa analisou quais habilidades específicas eram mais importantes para os empregadores. Eles dividiram essas dimensões no que achavam mais importante para entrar na força de trabalho no curto prazo e quais habilidades seriam mais importantes no longo prazo.
As habilidades de curto prazo mais importante que os empregadores procuram foram identificadas como ‘habilidades críticas e de resolução de problemas’. Em seguida, foi a ‘capacidade de tomar iniciativa’. Ambas são habilidades importantes que devem ser aprendidas ao longo de uma formação universitária. No longo prazo, as habilidades mais importantes foram a comunicação e a criatividade. Tanto no curto quanto no médio prazo, as habilidades mais “duras” (“hard skills”) foram identificadas como menos prioritárias.
Como o setor produtivo vê o seu papel no ensino superior
Na seção final, os empregadores foram questionados especificamente sobre o que as universidades deveriam fazer para ajudar a preencher essas lacunas de habilidades. Do total de entrevistados, 88,8% disseram que as universidades devem colaborar com as empresas, enquanto 86,7% disseram que as empresas devem colaborar no desenvolvimento dos currículos universitários. Ambas as estatísticas mostram uma forte tendência global para uma maior integração do setor produtivo com o ensino superior. Se bem gerida e planejada, esta interação é positiva e pode ajudar a preparar os alunos para o mundo do trabalho. No entanto, o mundo corporativo não é o único setor da sociedade com uma contribuição relevante e importante na construção dos currículos de ensino, mas muitas vezes são os mais bem articulados e próximos das universidades.
Se as universidades se tornarem dependentes apenas da colaboração com o setor produtivo, e não considerarem o terceiro setor, a sociedade civil, a população em geral, as organizações ambientais e outros, correm o risco de refletir uma única e estreita agenda na sua formação.
Por exemplo, quando os empregadores foram questionados sobre o que as universidades mais deveriam ensinar, previsivelmente enfatizaram o relacionamento com o mundo corporativo como muito importante, enquanto os tópicos de sustentabilidade, interdisciplinaridade e perspectivas interculturais eram muito menos importantes. A missão de educar os cidadãos e a próxima geração de líderes é para que eles sejam mais responsáveis, conscientes e engajados do que a geração anterior. O objetivo da graduação é, em certa medida, o de preparar os alunos para o mundo do trabalho, mas é fundamental que também assumam missões importantes que o setor corporativo não valoriza.
Isso também é demonstrado pela vontade de comentar sobre a metodologia de ensino. A prática e os estudos de caso são muito favorecidos na pesquisa, porque soam como educação corporativa. A interdisciplinaridade, no entanto, é um componente vital que sustenta o funcionamento de ambos e é desconsiderada.
Dado que há uma demanda óbvia por mais interação, mas um risco associado à autonomia universitária e à ênfase excessiva de certas agendas, é importante que as universidades construam uma governança suficientemente robusta que possa ouvir as demandas do setor produtivo junto com outros atores importantes e integrar nas fases de planejamento e avaliação.
O risco da inação na construção e melhoria da governança é que esse engajamento ocorra de forma desestruturada, o que tem altos riscos associados à autonomia da universidade e ao acesso dos stakeholders por estar atrelado aos recursos financeiros oferecidos à instituição – o setor produtivo pode tentar “comprar” seu caminho para a grade curricular, ou caso isso não aconteça, alimentando uma percepção externa de que o ensino superior é ultrapassado e irrelevante para o mundo moderno, e inflexível e desatento à sociedade que o sustenta.
O que as universidades podem aprender deste survey?
- As universidades devem enfatizar fortemente os soft skills, o pensamento crítico e as habilidades de resolução de problemas ao invés da aprendizagem unidirecional ao planejar seus currículos. Isso é visto pelos empregadores como mais importante do que ter as habilidades técnicas mais atualizadas para a maioria dos setores.
- As universidades devem acompanhar seus egressos no local de trabalho e entender onde eles trabalham e quais habilidades utilizadas resultaram de seu tempo de estudo. Esse tipo de informação é mais facilmente obtido por meio de pesquisas entre programas de pós-graduação por meio de associações de ex-alunos.
- Seja por meio de um conselho consultivo ou de um mecanismo participativo diferente, as universidades devem encontrar formas de engajar partes interessadas nas fases de planejamento e avaliação, inclusive o setor produtivo. Essa atitude deve compor um plano de governança robusto para garantir que a participação seja equitativa entre as diferentes partes interessadas e ao mesmo tempo relevante e oportuna para a melhoria das instituições de ensino superior.