Ao considerar o uso de indicadores para medir algum aspecto do sistema de ciência, existe um princípio de linearidade. Movimentos de indicadores na escala devem, de acordo com esse princípio, representar de maneira uniforme o mesmo fenômeno para diferentes entidades. Esse fenômeno é uma extensão de um princípio de uniformidade, o qual determina que um número que representa o estado de um indicador deve significar o mesmo para diferentes unidades de medição. Para que um ranking universitário coloque instituições em uma escala variável de 0 a 100, devemos assumir que 100 é a meta ideal e o melhor desempenho.
Esse fundamento determina que “mais” é necessariamente melhor, e uma universidade com uma pontuação mais alta está se saindo melhor do que uma com uma pontuação mais baixa. Nenhuma universidade consideraria que ter menos artigos altamente citados do que no passado fosse uma vitória. Nesse exemplo, a melhora nos índices de citação pode não fazer parte dos principais objetivos institucionais da nossa universidade hipotética para o período, mas ainda é algo que representa um desempenho aprimorado. Isso se aplica à maioria das medidas apresentadas em séries históricas; nenhuma universidade é condenada por produzir mais patentes, ou pretende reduzir seu nível de impacto social ou político. No entanto, a relação linear pode ser contestada quando aplicada à algumas medidas utilizadas em comparações internacionais de universidades. Nessas comparações a compreensão do contexto é fundamental para que a interpretação seja correta.
O momento em que o Times Higher Education se depara com dificuldades conceituais está na mensuração do processo e do ambiente, porque é insuficientemente sensível à noção de que o contexto é extremamente importante em nível internacional. O princípio da linearidade não se aplica facilmente ao comparar universidades em diferentes contextos, com distintos caminhos da evolução.
A comparação da internacionalização de duas universidades do Reino Unido não é complexa – ambas são inseridas no mesmo ambiente político, econômico e social, e ambas têm histórias muito semelhantes. Ambas cresceram a partir de uma missão de servir e educar uma população local, utilizando recursos e mão-de-obra principalmente domésticos. É possível considerar que nos últimos 30 anos essas instituições passaram por processos comparáveis de internacionalização de suas redes de pesquisa, corpo docente e de recrutamento de estudantes. Em outras palavras, a universidade e sua base de pesquisa já existiam anteriormente, e a internacionalização foi um processo posterior pelo qual passou cada uma dessas universidades. Nesse contexto, é possível considerar que mais internacionalização significa melhor inserção nas redes de pesquisa e maior maturidade institucional. A coautoria internacional obedece ao princípio da linearidade para as universidades do Reino Unido.
Contudo, a coautoria internacional não obedece a esse princípio nos países em desenvolvimento. As universidades de elite e as bases de pesquisa na América Latina raramente são estabelecidas como entidades endógenas que depois se espalham pelo mundo. A relação de 0 (completamente nacional) a 100 (completamente internacional) não corresponde a uma narrativa de desenvolvimento e maturação de uma instituição de ensino superior na América Latina. Para a internacionalização, por exemplo, Brito Cruz observa que existem dois extremos: 0% onde ninguém quer trabalhar com você e 100% onde não se pode fazer nada sozinho. O ponto ótimo deveria estar entre 50% e 60%. Ele questiona se seria possível fazer uma análise comparando com outros indicadores para achar como definir esse ponto ótimo.
Pelo contrário, a evolução das universidades em indicadores de internacionalização e citação em bancos de dados de pesquisa é parabólico. O que geralmente vemos é uma forte liderança de pesquisa estabelecida em parceria com pares internacionais, que publicam conjuntamente trabalhos altamente citados. Esse fenômeno pode ter relação com a atração de alguns docentes e estudantes internacionais e, certamente, estimulará a publicação de pesquisas altamente citadas. Isto, por sua vez, se reflete em altas taxas de citação e de coautoria internacional, porque há muito poucas outras atividades de pesquisa e uma alta dependência dessas parcerias internacionais.
Se a parceria inicial for bem-sucedida, uma comunidade de pesquisa criará raízes e começará a se espalhar, desenvolvendo mais competências de pesquisa domésticas orientadas para problemas e temas locais. Este é o estabelecimento da autodeterminação da pesquisa. Nesse período, a parábola atinge seu ponto mais baixo. As taxas de citação não crescem e podem até cair um pouco, assim como as taxas de coautoria internacional. Não porque o trabalho está diminuindo em qualidade, mas porque está crescendo em escopo. Uma vez que isso esteja bem estabelecido, os indicadores começarão a crescer novamente e a parábola retornará à medida que a comunidade nacional de pesquisa se internacionalizar e se consolidar.
Ao aplicar essa relação parabólica ao ranking do Times Higher Latin America, começamos a entender alguns dos resultados. Para a internacionalização, as duas universidades mais bem classificadas são equatorianas que, por um lado, são muito dependentes dos fluxos transfronteiriços com a Colômbia para captação de estudantes e, por outro, das instituições estadunidenses para pesquisa. Nas citações, as universidades de maior classificação são a Universidad de la Costa e Universidad Javeriana, na Colômbia, Universidad de Desarollo e Diego Portales, no Chile. A universidade com pontuação mais alta em citações no Brasil é a Universidade Federal de Sergipe. Todas essas universidades possuem algumas importantes relações de pesquisa e áreas de excelência real, mas não cumprem os critérios para serem consideradas universidades intensivas em pesquisa. Elas estão em diferentes estágios de desenvolvimento, e uma escala linear não é suficientemente sensível para capturar esses fenômenos associados com a medida da internacionalização.
Universidades brasileiras e o ranking
Há uma clara tendência de que o ensino superior do Brasil seja muito mais isolado do que seus vizinhos, apesar de ter universidades mais robustas e bem estabelecidas, uma base de pesquisa muito maior e melhores condições de financiamento.
É necessário realizar uma abordagem sistêmica do benchmarking, em vez de uma escolha de números individuais ou depender de escalas lineares para considerar a melhoria em indicadores individuais. Devemos considerar o tamanho do que está sendo analisado e não apenas as suas qualidades. Embora o Chile tenha pontuações muito melhores em intensidade de citações e internacionalização, é importante lembrar que sua produção total é uma fração da do Brasil. Suas relações de longa data em áreas como engenharia e astronomia servem interesses estratégicos no exterior.
Outra consideração deve ser feita em relação ao fato de que o Chile é um país com características de população e território muito peculiares em comparação a outros países do continente. Uma população pequena que ocupa uma larga faixa de território, com menos fronteiras terrestres que a maioria dos países do continente. Pesam também algumas das características únicas do seu sistema de ensino superior, por exemplo o efeito causado na produção científica e no grande peso da astronomia em todas as suas variantes, gerada pela presença do grande centro internacional de observação espacial no deserto do Atacama, que acaba por distorcer os efeitos de comparação em relação aos outros países presentes neste ranking, principalmente no que se refere aos critérios de medição de internacionalização e produção científica.
As grandes universidades públicas não devem, portanto, preocupar-se porque suas citações e notas de internacionalização são mais baixas do que as universidades muito pequenas nos países vizinhos. Elas devem se orientar para efeito de comparação, pelas pontuações obtidas pela liga C9 na China e grandes universidades na Europa Ocidental, por exemplo, com quem compartilham mais características institucionais em termos de porte, tanto das instituições individuais, quanto do sistema de educação superior como um todo.
O que pode ser feito?
Em termos da metodologia de ensino superior do Times, a internacionalização é considerada em três dimensões:
- Proporção de estudantes internacionais em período integral que estudam no campus (2,5%). Essa dimensão exclui estudantes de intercâmbio e de curta duração e, portanto, acordos de cooperação têm pouco ou nenhum impacto a curto prazo. Eles podem incentivar os futuros alunos a seguir seus colegas de intercâmbio para obter diplomas completos. Esse indicador é uma medida de iniciativas de recrutamento ativo de estudantes internacionais, que em geral não figura entre os objetivos estratégicos das universidades públicas brasileiras.
- Proporção de pessoal acadêmico internacional em período integral (2,5%). Essa medida exclui os professores visitantes, considerando apenas professores estrangeiros integrados aos regimes de trabalho. Mais uma vez, as atividades de cooperação e intercâmbio são importantes para manter a mobilidade, mas não terão impacto a curto prazo nesse indicador. No caso brasileiro, essa contagem é especialmente prejudicada nos casos em que universidades tenham dificuldades circunstanciais para realizar novas contratações.
- Proporção de coautorias internacionais (2,5%). A metodologia Times Higher não emprega contagem fracionária para esse indicador. Ou seja, quando um pesquisador recebe um crédito de autoria em um artigo de saúde pública com outros 900 coautores em troca de fornecer dados locais, essa contagem tem o mesmo valor que no caso de ser um principal autor de um artigo altamente influente realizado em coautoria com outra universidade. O ponto de corte para a contagem fracionária na metodologia é de 1000 autores, o que realmente se aplica apenas a disciplinas como a física de alta energia, mas ignora muitas outras áreas em que centenas de autores são comuns.
Se desejarmos melhorar esse indicador, a maneira mais prática e rápida seria condicionar de forma mais contundente o financiamento à pesquisa e à cooperação internacional, como forma de atrair recursos de contrapartida internacional. Um conjunto de medidas neste sentido aumentaria também o volume de recursos disponíveis para pesquisa. Para encontrar o nível ideal de internacionalização, as universidades devem procurar parcerias com instituições que publicam números comparáveis de artigos (± 20% do total de artigos).
Em quais aspectos as universidades podem se concentrar para melhorar nos ciclos futuros?
As novas capacidades desenvolvidas pelas universidades em resposta às crises decorrentes da COVID-19 resultaram em inovação e ampliação das capacidades de atrair, avaliar e aplicar recursos. Essa inovação inesperada, a mudança de atitude e o desenvolvimento de novas capacidades decorrentes dessa crise devem ser compreendidas e as oportunidades de mudança devem ser aproveitadas. Pelo panorama observado na resposta das instituições brasileiras, é possível esperar uma melhora significativa em termos de parcerias com a indústria em edições futuras deste ranking. Essa é a forma mais produtiva de utilizar esse ranking para aprimoramento da governança das instituições de ensino superior no Brasil.