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Clarivate Highly Cited 2022

Nota sobre Rankings de pesquisadores

A identificação de cientistas individuais por bancos de dados bibliométricos propulsionou uma nova demanda por classificações que não olham para instituições, mas para pesquisadores. Em parte, estes rankings novos alimentam uma visão pública de que a grande ciência é feita por grandes cientistas e não por grandes redes, grandes equipes ou grandes laboratórios.

Essa mudança de foco das classificações do nível institucional ou nacional para o nível individual também implica uma mudança da análise do nível macro para o nível micro. Poderia ser tentador simplesmente julgar indivíduos com os mesmos indicadores e metodologias utilizados para julgar a qualidade das instituições. Porém, há uma série de diferenças fundamentais das quais os usuários devem estar cientes. Indicadores de pesquisa utilizados para informar o entendimento e a análise das instituições são aplicados porque o tamanho das instituições de pesquisa significa que seu desempenho é impossível de compreender sem o uso de tais indicadores. No nível macro, é necessário reduzir o número de dimensões e detalhes para compreender a instituição como um todo e compará-la com outras.

No nível individual, as contribuições e o desempenho podem ser compreendidos e analisados ​​de várias maneiras, e nas palavras do Manifesto de Leiden: “a avaliação de pesquisadores individuais [deve ser baseada] em um julgamento qualitativo de seu portfólio”, e não apenas sobre indicadores de pesquisa.

Nesse sentido, vemos duas tendências contraditórias entre a comunidade cientométrica, que podem ser amplamente explicadas pela diferença entre as comunidades cientométricas de cidadãos e profissionais. De modo geral, enquanto a comunidade cienciométrica profissional está alertando sobre o uso de indicadores de pesquisa para julgar os pesquisadores com cautela, favorecendo uma abordagem que enriquece currículos narrativos com indicadores. A comunidade bibliométrica cidadã, em grande parte impulsionada por não especialistas, está interessada na produção dessas listas de pesquisadores. Aconselhamos cautela com essas listas – os de melhor desempenho nelas são claramente pesquisadores excelentes, mas os rankings não fornecem um fundamento coerente para afirmar que são superiores a seus pares sem que se considerem informações adicionais significativas.

Esta divisão foi amplamente descrita por Waltman no seu blog institucional no CWTS Leiden.

O que é o Clarivate Highly Cited?

Clarivate Highly Cited é uma lista publicada anualmente dos autores mais citados do mundo. É publicado pela empresa Clarivate, que adquiriu a empresa de propriedade intelectual Thomson Reuters (incluindo Web of Science e Essential Science Indicators) em 2017. A principal motivação da Clarivate com o controle desse ranking é divulgar seus serviços destinados a pesquisadores. A lista compreende 6.600 dos pesquisadores com o maior número de artigos entre os 1% mais citados nos 21 campos dos Essential Science Indicators (ESI) da Clarivate.

Metodologia

O ranking é uma medida dos cientistas com os artigos mais citados. Metade dos cargos são atribuídos a autores ativos em uma das 21 categorias de ESI, enquanto a outra metade é para pesquisadores ativos em mais de uma área (“cross-field”). O número incluído no ranking de cada área do conhecimento é proporcional à raiz quadrada do número total de pesquisadores daquela área.

É importante observar que a composição dessa lista se dá pelo número de artigos individuais que acumularam um alto número de citações, e não pelo número médio de citações atribuídas a pesquisadores individuais. Portanto, é uma medida dos cientistas que se envolveram na produção do 1% mais citado das publicações. Por definição, a lista ignora 99% de todos os artigos publicados. Não é necessariamente uma medida do pesquisador com mais citações ou com mais citações na média.

Como este ranking de pesquisadores mais citados se diferenciam dos demais com o mesmo objetivo?

A classificação Clarivate é a primeira classificação de pesquisadores, e de longe a mais confiável – a recente classificação AD, por exemplo, utiliza perfis do Google Scholar, que são uma forma inadequada de medir o desempenho devido à pouca confiabilidade nos métodos de coleta dessas informações. A lista da Clarivate é baseada em ResearcherID, então todas as informações são explicitamente autodeclaradas e todas as publicações são em periódicos revisados por pares.

Pesquisadores altamente citados no estado de São Paulo

PesquisadorÁreaInstituiçãoAfiliação secundária
Brunoni, Andre R.Cross-FieldUniversidade de São Paulo
Cannon, GeoffreySocial SciencesUniversidade de São Paulo
Levy, Renata BertazziSocial SciencesUniversidade de São Paulo
Louzada, Maria Laura da CostaSocial SciencesUniversidade de São Paulo
Monteiro, Carlos AugustoSocial SciencesUniversidade de São Paulo
Moubarac, Jean ClaudeSocial SciencesUniversity of MontrealUniversidade de São Paulo
Santos, Raul D. Cross-FieldUniversidade de São PauloHospital Israelita Albert Einstein
Steele, Euridice Martinez Cross-FieldUniversidade de São Paulo
Mousavi Khaneghah, Amin Cross-FieldUniversidade Estadual de Campinas
Sant’Ana, Anderson S. Agricultural SciencesUniversidade Estadual de Campinas

Discussão

Os pesquisadores da USP altamente citados nesta lista estão trabalhando principalmente em áreas relacionadas à medicina que são definidas pelo ESI como ciências sociais – trabalho em psiquiatria, saúde pública e preventiva e nutrição. Essas são áreas com maior potencial para citação do que as ciências sociais puras porque estão intimamente relacionadas à medicina. Esses tópicos são de amplo e alto interesse global – em particular, observamos a proeminência da pesquisa em alimentos ultraprocessados ​​em vários perfis de publicações dos pesquisadores.

Na Unicamp, os dois pesquisadores bastante citados atuam na área de ciência de alimentos e, especificamente, na contaminação e preservação de alimentos.

O grupo de pesquisadores particularmente bem-sucedidos na FMUSP tem analisado alimentos ultraprocessados ​​e problemas de saúde associados ao seu consumo. Por se tratar de um desafio global, suas pesquisas de alta qualidade têm sido citadas diversas vezes em todo o mundo. 

É importante destacar que o artigo de maior sucesso desse grupo foi publicado na Revista Brasileira de Saúde Pública, demonstrando a tendência de que o acesso cada vez mais aberto ao conhecimento e palavras-chave bem estruturadas são mais importantes do que o fator de impacto do periódico como determinante de altas taxas de citação. 

No passado, quando os periódicos eram publicados em meios físicos, o fator de impacto do periódico era de alta importância. Nas circunstâncias atuais, como os artigos são dispostos em bancos de dados indexados e acessíveis por meios digitais, a relação entre as citações de um artigo e as citações do periódico em que foi publicado é cada vez mais fraca.

Qual é o impacto sobre a imagem das instituições e da pesquisa científica?

O risco de utilizar rankings de pesquisadores para informar a política institucional é que a ciência deixe de ser vista como um projeto em equipe e passe a se tornar a busca por indivíduos de destaque. Isso, por sua vez, não incentiva a formação de grupos de pesquisa, nem o apoio de colegas juniores. Na realidade, sabemos que pesquisadores altamente citados são estatisticamente mais propensos a serem mentores e editores ativos, trabalhando com pesquisadores juniores, quando essa política não existe.

Nenhum cientista pode ser adequadamente representado por qualquer conjunção simples de números – o contexto é muito denso e complexo para evitar uma atitude reducionista. É por isso que, em geral, devemos ser extremamente cautelosos ao usar indicadores para pesquisadores individuais.

Quando usamos indicadores de citação para representar quem é o “melhor” cientista, deve-se considerar que a vida de um pesquisador acadêmico é composta de muitos papéis diferentes, entre os quais o ato de publicar é apenas um. Um pesquisador que se dedica a orientar pós-graduados e publicar com eles, por exemplo, pode ser mais limitado em sua capacidade de publicar trabalhos inovadores e de grande impacto. Da mesma forma, professores que passam muito tempo dedicados às atividades de ensino, que estão engajados na pesquisa e extensão orientada para a sociedade, na produção de propriedade intelectual e startups, ou cuja área de interesse tem aplicações locais mais imediatas ou especializadas, têm probabilidade de ter desempenho inferior do que aqueles que são apenas dedicados a trabalhos internacionalmente relevantes e altamente citados.

Quais são as limitações deste ranking?

Além disso, a variação intradisciplinar é muito alta para que as citações sejam uma medida confiável. O número médio de citações por artigo entre a física experimental de alta energia é magnitudes maiores do que para a física teórica. Em física de altas energias, é normal publicar dezenas de artigos em um ano com centenas ou mesmo milhares de co-autores, enquanto a física teórica tende a poucos artigos, com poucos co-autores. Isso não significa que a física experimental é “melhor” do que a física teórica, apenas que os comportamentos e normas entre os dois são tão diferentes que tornam a comparação virtualmente sem sentido.

Existe um perigo adicional para as instituições no sul global em utilizar apenas citações para julgar o mérito da ciência. Na área de cardiologia (a maior de todas as áreas de pesquisa da medicina), por exemplo. Para obter muitas citações, os pesquisadores deveriam realmente considerar apenas a doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) e a hipertensão. Esses são assuntos de alta prioridade para os Estados Unidos e a Europa e, portanto, o financiamento e os esforços de pesquisa são aplicados. Isso significa que o potencial de citação é maior, pois há mais pesquisadores dedicados a este desafio. A doença de Chagas, por outro lado, tem muito poucos pesquisadores interessados ​​nela e, portanto, um potencial menor receber citações. Isso não significa que um pesquisador interessado principalmente em Chagas não seja tão bom ou tão importante quanto um na DPOC, apenas que sua rede acadêmica é menor. O potencial para mudanças de vida e avanços inovadores pode ser o mesmo, mas o reconhecimento por meio de citações não será.

Da mesma forma, há uma forte comunidade epistêmica e fortes efeitos de equipe. Um pesquisador que estuda ciências atmosféricas no Brasil, por exemplo, pode ser um líder mundial em termos de contribuição epistêmica que dá ao conhecimento, pode obter publicações de destaque em periódicos de primeira linha, aparições na mídia e intervenções em políticas públicas, entre outros. Esse pesquisador, porém, sempre ficará em desvantagem neste ranking porque o número de pesquisadores preocupados com a poluição do ar e as emissões na China supera o número de interessados ​​no mesmo assunto no Brasil. Isso significa que quando os cientistas chineses escrevem um artigo sobre as emissões, é mais provável que seja sobre as emissões na China, e é mais provável que dependa primeiro de pesquisas anteriores sobre a China. Isso não quer dizer que a pesquisa brasileira nunca será citada, mas é provável que seja citada com menos frequência. Esse efeito não tem relação com a qualidade, a relevância ou mesmo a visibilidade da pesquisa em questão.