Em uma época de rupturas e medidas de isolamento social, podemos esperar que quase todas as áreas do sistema de produção científica serão afetadas pelas crises decorrentes do Covid-19. Essas interrupções trarão outros desafios, revelarão novas soluções e atores submetidos às condições difíceis pelas restrições, que repentinamente são postos à prova por esse novo ambiente de trabalho.
Algumas mudanças significativas são esperadas nas comparações internacionais do próximo ano. É possível prognosticar que algumas instituições mais responsivas irão, rapidamente, melhorar os seus perfis, enquanto outras estarão em sérias dificuldades. Fazemos aqui um prognóstico de uma gama de indicadores que possivelmente mudarão – alguns não farão mais sentido, enquanto outros ganharão relevância para corresponder ao novo cenário. Este pequeno relatório apresenta sugestões às universidades brasileiras para que possam se posicionar nos rankings da melhor maneira possível.
Pesquisa
A crise atual impulsionou significativo volume de publicações – a comunidade científica está engajada na maior e mais intensa mudança coletiva da era moderna. Uma busca recente na base de dados da Dimensions – escolhida pela inclusão de preprints – divulgação de textos em fase de análise antes da sua publicação em revistas científicas – apresentou aproximadamente 102.000 resultados, equivalentes à quase um terço de todas as publicações sobre pandemias. Dentre esses, existem 532 datasets, 955 editais de financiamento, 15.000 patentes, 1.600 estudos clínicos em curso, e citações em mais de 2.000 documentos de políticas (consulta realizada em 18.04.2020). Essa explosão de produtividade deve remodelar o cenário da pesquisa nos próximos anos, com universidades se organizando rapidamente para gerar conhecimentos utilizando-se de novos meios. A respeito disso, iniciativas tais como a plataforma de inovação aberta criada pela Unicamp, inserem-se neste novo cenário.
Nos últimos anos, o interesse social e o impacto econômico da pesquisa começaram a ganhar relevância nos estudos de cientometria. Uma tendência presente nas avaliações nacionais assim como nas iniciativas de agências internacionais de classificação de universidades. O ranking de Times Higher Education Impact é um indicador claro desta trajetória. A carência de ciência talvez nunca tenha sido mais evidente ao olhar público do que neste momento. Todo cidadão, minimamente consciente do tamanho dos desafios enfrentados nessa crise, está sensibilizado a respeito da necessidade de progresso científico e de pesquisa.
As análises de citações, normalmente usadas para julgar o rendimento científico das universidades, mostram-se de repente, demasiadamente abstratas para lidar com as necessidades que o enfrentamento das adversidades nos impõe pela realidade. Diante deste cenário, podemos esperar que outros tipos de métricas e estudos ganhem proeminência no futuro, como a atenção aos benefícios de ampliar o acesso a dados de forma aberta. Estudos clínicos, avaliações de impacto político e outros tipos de estudos se tornarão indicadores importantes para avaliar o rendimento de uma universidade. As instituições devem agir para, ao menos, mapear esses tipos de produção voltada à autocrítica e outros modelos de impacto para além das medidas de colaboração científica. A crise vai intensificar este movimento de forma acelerada.
Reputação
Para a classificação baseada em notas de reputação institucional – especificamente as iniciativas como Times Higher Education e QS -, seria prudente imaginar mais instabilidade do que o normal. Algumas universidades têm conquistado grande visibilidade, como por exemplo a Johns Hopkins University por seu painel de controle do coronavírus e a Imperial College London por seus cálculos da curva de contágio, enquanto algumas outras estarão mais propensas a sofrer duras quedas. É de se esperar que as instituições que adotarem uma linha rígida de comunicação institucional sobre o coronavírus se saiam melhor do que aquelas que adotarem posturas menos enfáticas. Comunicação da pesquisa e das atividades de divulgação se tornarão muito mais importantes, da mesma forma que sua presença na mídia. A pesquisa de impacto de altmétricas deve ser monitorada de perto, assim como a presença de membros do staff de universidades em noticiários internacionais e locais.
Por conta do cancelamento neste ano da maioria dos congressos científicos – ou por terem tido queda significativa de público na internet – diminuirá a oportunidade de interagir com a ciência além da rede de pesquisa imediata. Devemos, então, presumir que a força de elos externos já existentes será mais importante em reputação como nunca antes. Neste sentido, as parcerias consolidadas e as interações decorrentes, devem ser priorizadas.
A qualidade e o alcance da comunicação dos resultados de pesquisa das universidades é assunto de extrema importância. Nesse contexto de isolamento, deve-se considerar um investimento suplementar na manutenção de canais atualizados de comunicação em língua inglesa. Uma série de boas iniciativas de comunicação social das universidades foi identificada em uma nota técnica publicada no website do projeto Metricas.edu.
Financiamento
Muitas das universidades de elite no mundo, especialmente aquelas que dependem de receitas vindas da cobrança de taxas de matrículas dos alunos – predominantemente as dos Estados Unidos e do Reino Unido – terão uma significativa redução das suas receitas, chegando às centenas de milhões de dólares. Para a Ivy League e as instituições como Oxford e Cambridge, haverá uma cobertura por meio de fundos de doação e doações individuais, pois como instituições de vanguarda não podem perder o status de liderança. Muitas instituições de posicionamento médio nas comparações internacionais, estarão se deparando com desafios sérios e urgentes, na retomada das suas atividades de ensino.
No Brasil, as universidades estaduais paulistas estão mobilizadas diante da severa redução de receita, decorrente da queda de arrecadação do ICMS, o que deve trazer graves consequências financeiras. As circunstâncias que se revelam no horizonte, decorrentes da crise sanitária vão requisitar muita determinação e objetividade por parte dos responsáveis pela governança universitária. Neste contexto, a concessão anual de bolsas de estudo, através da classificação no vestibular, em vez do modelo de cobrança de taxa, reforça o modelo de financiamento vigente, sem o qual as instituições estariam em situação de maior vulnerabilidade.
Este modelo de financiamento do ensino com recursos do contribuinte, impõe, no entanto, a diversificação das fontes de financiamento para as atividades de pesquisa e extensão. Uma diversificação que depende de doações através das suas fundações de apoio e da expansão dos fundos especiais de doação dos seus ex-alunos-
Internacionalização
Uma das métricas em que as universidades são avaliadas nas comparações internacionais é a proporção de alunos estrangeiros. Este indicador se propõe a medir a mobilidade acadêmica e o prestígio internacional. Na realidade, é uma medida da habilidade das universidades em atrair graduandos e pós-graduandos latu sensu vindos do exterior, dispostos a pagar taxas maiores pela reputação institucional e seu reconhecimento internacional.
Para o ano acadêmico 2020-2021, pode ocorrer uma acentuada diminuição nos números absolutos de mobilidade estudantil por conta da pandemia. Com a queda acentuada na mobilidade é de se esperar que os rankings tratem de não refletir essa diminuição abrupta generalizada nas séries históricas das suas listagens.
Para os próximos anos, não está claro se esse formato de recrutamento estudantil, dependente de grandes contingentes de estudantes estrangeiros provenientes de países como a China, Índia e do Oriente Médio retornarão para os padrões anteriores. A oferta de educação superior nesses países cresceu significativamente na última década, tanto em extensão quanto em qualidade. Essa circunstância de crise pode, simplesmente, acelerar um processo já em curso.
A história sugere que mudanças repentinas no comportamento social após grandes crises, guerras ou catástrofes não voltam prontamente a uma situação de normalidade. Com isso, a classe média chinesa, indiana e do Oriente Médio provavelmente deixarão de enviar seus filhos à universidades estrangeiras, que não sejam aquelas renomadas como a Ivy League ou o Russell Group.
A ciência se manterá tão internacionalizada como nunca. O exercício de confrontar problemas de saúde globais e desafios econômicos inéditos demandará dos sistemas de pesquisa um grau inédito de internacionalização e cooperação. É razoável estimar que testemunharemos uma rápida retomada da mobilidade acadêmica em níveis globais – PhDs, doutores e professores visitantes.
Para este futuro próximo, os indicadores de coautoria internacional têm um papel mais proeminente na classificação de universidades, do que no recrutamento de estudantes estrangeiros. Assim, as universidades devem assegurar que essas redes se mantenham, se consolidem e se expandam.
Presença online
Atualmente a única iniciativa de comparação internacional de universidades, a medir propriamente a presença online das universidades é o ranking Webometrics, que é mais voltado para um público especializado. Dado que, no momento atual, as universidades estão atuando quase que inteiramente online, os indicadores que monitoram uso das plataformas digitais serão de importância para medir o desempenho da instituição em meio à crise.
Especificamente, entendemos que a “visibilidade” e a “transparência” no monitoramento de indicadores são incontornáveis. A visibilidade é uma medida do número de páginas registradas nos domínios das universidades. Isso sugere o quanto a instituição expandiu digitalmente durante a crise, mesmo que não especificamente por motivos relacionados à pandemia. Esses números são fornecidos pelo Google.
O segundo, que provavelmente terá grande impacto na reputação internacional e visibilidade, é o número de backlinks que conectam um domínio diferente aos da universidade. Por exemplo, quando o New York Times usa o painel de controle do coronavírus da Johns Hopkins University e inclui um link, este tem contagem na soma total deste indicador. Esses backlinks formam a base de algoritmo PageRank do Google, e mede amplamente o quão longe a universidade permeou a internet fora dos seus próprios domínios. As fontes usadas pela Webometrics para isso são Ahrefs e Majestic. Deve-se notar que não existe medida do número de vezes que esses links são utilizados. Além disso, as universidades devem atentar não para seus totais, mas para a diferença entre os momentos de pré-crise para o pós-crise.
Conclusão
As crises em curso oferecem oportunidades de mudança em diversas áreas como na transição para o digital. São janelas de oportunidade para as universidades se situarem em posições de vantagem em relação a outras instituições de ensino no mundo. Neste contexto, merecem consideração cinco ações prioritárias para as universidades:
- Apoiar os esforços de pesquisadores das universidades, valorizando as iniciativas de interação com as redes nacionais e internacionais de pesquisa.
- Sustentar as plataformas digitais das universidades com ênfase ao ensino, a pesquisa, a extensão e cooperação no âmbito das redes internacionais.
- Monitorar os indicadores de resultados de pesquisas e seu impacto.
- Assegurar a correta atribuição institucional de todas as publicações de pesquisa com ORCID, inclusive nos preprints e procedimentos.
- Adotar uma estratégia eficaz de comunicação relativas às contribuições, resultados e impactos em português e inglês.